nietzsche, friedrich - sobre verdade e mentira no sentido extramoral
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Sobre Verdade e Mentira No Sentido ExtramoralTRANSCRIPT
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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Fr·iPeh·ic·h
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2007)
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SUM RIO
trodução por Fernando de Moraes Barros 9
SOBB E YFH D \ IlF E M FNTIH \
NO SENT
IDO
EXTRA MORAL
2
FRAG
ENTO
S
PÓSTUM
OS
H
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NTRO U
ÃO
>
De tod
os
os textos de Nietzsche
So
br
e verdade
e m ent :ra no sentido e:r:tra moral
é l ecerto um dos
mais
s
in
gulares
e
pregnantes.
Dit.aclo
ao
colega
K.
v
on Gersdorff
em
junl10
de 18
73• o escrito
é fruto
não apenas
de uma
refinada
espirituaüdade
mas
também de um importante redimensionamento
teórico-especulativo.
difer
ença
de
ponderações
anteriores
nele
o filósofo
alemão
-
à
época pro
fessor na Universidade da Basil
éia
- já não toma
a pa l
av
ra a rim de caracteriza r o de
sperta
r
da
ragéd ia á tica.
Tomado por
novos planos e
inte
resses
abandona
-se
agora
a novas a
uto
-satisfações.
Pensador livre e laico debruça
se
sobre as assim
ch
ama
das
ciências
da natureza
compra
t
en
do
-
se
na
leitura
de
texto
s tais como
por exemp
lo hi
-
losophiae naluralis
The
oria
de R. J. Boscovjch.
Luz
a
eliminar pre
conceitos e
intolerâncias
o
espirito contido nos métodos
cient
ificas ta lvez
ajude a des
anu
viar as
sombras
metafisicas
que
se
acumulam em torno do con hecimento. Mais
a t
é.
No
momento
em
que
aprende a
quest
io
nar
a si mesma a ve
rdade
·
t. livez
ter·m in e por revelar
alguma não-verdade à sua base prestando um
9
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INTRODUÇÃO
10
testemunho inteiramente inesperado sobre
si
pró
pria. É precisamente essa suspeita que vigora em
Sobre verdade e m entira no sentido extra moral.
1\ Jovida pela crença de que a forma fundamen
tal
do pensamento é a
mesma
de suas manifesta
ções por palavras, desde cedo, a filosofia não
he
sitou
em
identificar discurso e realidade. Conce
bendo o
pensar
como
uma
inequ.ívoca atividade
de
simbolização enunciativa, ela parece
ter
sempre
dado atenção especial à dimensão apofântica da
linguagem, tomando enunciados verbais por ver
dadeiros ou falsos, em função de descreverem cor
retamente ou não o mundo. O
que
ocorreria, po
rém , se a verdade dos enunciados
não
passasse
de
um
tipo de engano
sem
o qual o
homem
não pode
ria sobreviver? E se a condição da verdade fosse a
mesma da mentira? f ~ v l r s i então, o atávico
caráter dissimulador do
inte
lecto humano e, com
ele, a suspeita
de
que
entre
o
reflet
ir e o
di
zer não vigora nenhuma ident idade estrutural.
É
jus·tamente a essa conclusão que Nietzsche espera
conduzir-nos.
O caminho encontrado pelo filósofo alemão
para abordar a questão não se inscreve num regis
tro tradicional. Negando-se a
separar
o
homem
da
na
tureza, sua abordagem procura
mostrar
que foi para satisfazer às injunções
ime
diatas de
sobrevivência que os seres
humanos
forjaxam e
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FERNANDO
DE
MORAES BARROS
aprimoraram
o conhecimento. Servindo ao desejo 11
de conservação imposto pela gregariedad
e,
o in
te
lecto priorizaria noções aptas a assegurar a vida
em conjunto e, pelo mesmo trilho, se
ria
obrigado
a produzir falsif
ica
ções. Nesse sentido, lê-se:
Como u.r.u m.
'i
o paxa a r v a \ ; i i o do indivídu
o,
o in·
< < to d ~ ' m o l a s u a ~ p r i n p a i ~
o r \ i
a ~ na i ~ i r . u u l a ã o ;
pois
esta
consti tui o
meio
pdo
q
ual
us
indi
víduos
mais
frac
os
men
os
vigorosos
co
nset·vam s
e como
aqu
e les
aos quais b denegado empreender w-na
lu
ta pda exis
tt\ncia com chifres e
presas afia
das. N u
homem
, e ~ a
art 'da d i ~ i t n u l a \ i ã o
atinge
seu
<.:um.,.
'
Por ser criada sob a pressão da necessidade de
comunicação e sociabilidade, a consciência de si
não faria parte, em rigor, da existência do indi
víduo
enquan
to
tal
, mas de
sua
interação com o
meio e a
qu
eles
qu
e o rodeiam, referindo-se àquilo
que
nele
há
de comum
e trivial. Ad
mitir
isso, po
rém ,
imp
lica aceitar
que
os recursos de que o
pen
samento
se
serv
e para ganhar forma e con teúdo
são pré-formados pela coletividade, de sorte que
estaríamos
fa
dados a e rprimir nossos raciocínios
sempre
com as palavras
qu
e se
acham
à disposição
de todos. A esse respeito, Nietzsche escreve:
'
Fr
ied
ti< :
h Nie
t t s< :
he Siirndi che J4iérke Krilische tudi
e·
nausgabe
G i
org
iv Colli
~
Maz?.ino i
V lvn
t in a ri,
~ i m No
va
Yo-rk,
'.Yaltet de Groyter, 1999
·
876.
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INTRODUÇÃO
12
quando justam. nte a mesma imagem fui gerada mi
lhões de vezes e fui herdada por muitas g = ra dões de ho
mens
[
..
]
então da
termina
por adquirir, ao
im
e ao
<;abu, o mesmo significado para o hom. m, <;OlllO S= fosse
im gem
exc
lusiv mente
necessári [
..
. ]
ssim como
u.m sonho que
se
repe te .:tername
nte seria
, sem dúvida,
s.,ntidu ' julgado
<;omu
efetividade.
2
Reincidentes, as experiências em comum com
o outro terminariam por se sobrepor àquelas
qu
e
ocorrem com menor freqüência no seio da coleti
vidade.
Sem
ter acesso, em princípio, a outras pa
lavr·as, o indivíduo tampouco teria facilidade para
liberar aquelas de que dispõe
para
outras aplica
ções. Resignado a
tal
i.nacessibilidade, ele
é
livre
somente
para falar e pensar como os outros.
Com efeito, dizer que são as palavras comu
mente partilhadas
qu
e possibil itam a conscientiza
ção do próprio
sentir
e pensar impele, ao menos, a
uma
relevante conseqüência: a
de
que
aquilo
que
o homem
sente
e pensa a respeito de si
mesmo já
se encontra condicionado pelas mais elementares
estruturas da linguagem. Para Niet.zsche, todavia,
as palavras nos iludem quando as tornamos à risca
e deixamos de perceber, por meio delas, aconte
cimentos
que
elas mesmas não
podem
assimilar.
A
seu
ver, o pensarnento tornado consciente seria
apenas
um produto acessório do ino·incado pro-
• IJ. ibid., p. 884·.
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FEHNANOO DE MOHAES BARROS
cesso psíquico que o atravessa e constitui. Quando
13
é
vertida
em palavras e signos
de
comunicação.
a
ath·idade
reflexiva
já
se
acha
ria circunscrita
à
esfera da calculabilidade, c estaria inserida em
esquemas
longamente
consolida
do
s de simpli-
ficação e abs t ração, com vistas ao nivelamento
identificador do fluxo polimol"fo do vir-a-
ser
c da
n
atureza.
Vist-o
como um epifenômeno
de
nossas fun
ções orgânicas fundamentais, o pensamento
adquire,
então,
um sentido ligado a um
universo
infra conscie
nte
bem mais recuado,
que engloba
processos vitais cujo sentido
último
sempre nos
escaparia. Ao d
ispensar
uma
subjetivida
de
qu
e
os estctbelecesse e de
te
rminasse, tais processos
regu la
dor
es assumem um significado associado a
recôndi tas operações do corpo, não
mais
de
uma
co
nsciência pensan te d
ete
ntot·a de
suas
representa
ções,
que
,
de
resto,
não
passaria
de
um
mero vetor
auxi liar ou
instrumento
diretivo. A esse respeito,
lê-se ainda:
O que
:.abe o homt:m
, dt: fato,
sobre::
si
m mol
[. . . ]
ãu
se lhe cmudt.-.:e
a natur
eza acerca
de
Lodas as outras
cuisas,
alk
mt:Smo a< < r
ca
dt: s..u corpo, para
bani
-lo .,
Lr
a ll\
a [iá -lo
nttma
t:ons<:Íênt:ia orgu lhusa e enganadora,
ao la r
go
d
os
m ovimt ntos
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stinais,
du
Vt
loz fluxo Jas
co
rr
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s saJJgiiin
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"' das uom plt Xas vibrlli(Õt:$ das fi
bras E la jogou
fora
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dlavt::
., coi
tada
da d.:sas
tr
osa
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INTRODUÇÃO
4 I c:uriosidade que, através de mna fissura, fosse c:apaz de
sair uma
vez sequer
da <.:âmaJ·a da c:onsciGnc:ia
e
olha1·
para
baixo, ]Jressentindo que, na indiferen1,;a de
;eu.
não
saber, o
homem
repousa sobre o impiedoso, o voraz, o
insaciáve1
3
Para
chegar a compreender
melhor
corno a
linguagem
exerce
seu
efeito dissimulador sobre
aquilo
que
o homem
sente
e pensa sobre
si mesmo
,
impõe-se sabe·r o
que
são as próprias palavras.
Ques
tã
o essa
à
qual
se responde:
De
ant
t: rnão, um
~ t í m u l J
nervoso transposto em uma
imag
e
m Primeira
metáfora. A
imag
em, por ,;eu tm·no,
remo
d
elada num
som Segtmda metáfora.•
D uplo, o processo de formação da palavra com
portaria
a
seguinte
transposição:
uma
excitação
nervosa convertida
numa imagem menta
l e, em
seguida, a transposição de
ta
l
imagem
n
um som
articulado. Heteróclita, a passagem opera1·ia, em
rigor, com
element
os
que pertencem
a esferas dis
juntivas,
de
sorte
que uma
correspondência
biu
nívoca entre coisas e palavras só poderia ser ob
tida pela
negação da distância
que
separa a sensa
ção
experimentada
pelo
in
divíduo e o
som
por ele
emiti
d
o.
Ao acreditar
que
cada palavra pronunci
ada designa algo bem definido e acertado acerca
• ld. ibid., p 877.
• IJ. ibicl., p. 879.
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FEHNANOO DE MOHAES BARR
OS
do mundo exterior, ele mal pressente que se trata,
I
15
aqui
de domínios desiguais.
Mas, precisamente por que a
palavn
foi c
riada
para
exprimir
uma sensação subjetiva, e la só pode
refe
rir
-se às relações entre as coisas e nós mesmos,
n unca às próprias coisas:
Acn
c
)itarnos
s
h t l
a
lg
o
ac erca d
s
própri
s
cutsas,
qua
ndo fa l
amo
s de árvores,
co
res, uev
o
'
flores, rnas,
co
m isso,
nada possuímos
s.::não m o
táforas das
coisas,
qu o não corn,spondem em absoluto, à,; essencialidades
r
i g i n a i ~ s
Todavia. desejoso de
encontrar
correlatos
para
as palavras
que
veicula, o indivíduo
abrevia
aqui
lo
qu e
se
lhe apresenta conforme seus interesses, op
tanrlo, de modo
un
il
ateral
, ora por este, ora por
aque le aspecto da efetividade. N·iveladora, a lin
gu<lgem da qual ele se serve depende da igua lação
do Hão -igual para adquirir autovaloração, o que se
tornaria
patente
por
exemplo
, na pr6pl ia consti
tuiçilo dos conceitos:
Tiío wrto
como um
a folha mmca
é totalm
elltt:
igual a
um a outra é
c. .:
r to ainda que o concei to
do:
folha é for
mado por
m eio de uma arbitrária ab,1.raljào dessas di
fcrcn\ias individuais, por
um
c. s<lucccr se do difcrcnciá
t:1 6
s fJ.
ib
id.
,
I ·
879
• ld.
ib
itl
. •
f'·
880.
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INTRODUÇÃO
16 Tomada num sentido unívoco e inabalável no
sentido que
lhe
foi dado
em
todas as épocas a
palavra mesma passa a ser vista como existindo
d
aeternu m
Instituída num tempo adâmico o
fa
lan
te talvez
até
acreditasse que ela adquire rea
lidade
num mundo supra
-sens.ível. Contrariando
esse estado de coisas o filósofo alemão empreende
a
pergunta
pela produção
mesma
do
signo
lingü
ís
tico
e
ao fazê -lo
termina
por colocar a questão
acerca das circunstâncias de seu aparecimento.
Com isso pretende conduzir-nos à idéia de que
na linguagem o que vigora não
é
a imobilidade
de
sentido e tampouco urna
estrutma
invariável
dotada de significação idêntica mas
um exército móvel ue metáforas metur
úmias
arrtrupu
murGsmus numa palavra uma suma ue relayões huma
na ; qu.e foraro real\iadas poé
ti<
a e re toriearoente.
7
Porque passa
ao
largo dessa profusão de formas
e figuras a compressão essencialista da
linguagem
revela-se desde logo
uma
fonte inesgotável de
auto-enganos. Tomando acidentes por substâncias
e relações por essências ela transpõe e inverte as
categorias que ela mesma se dedica a engendrar;
substituindo coisas por significados
faz
crer que
as designações e as coisas se recobrem
e
com isso
7
IJ. ib icl. p. 880.
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FEHNANOO
DE
MOHAES BARROS
ilude quem nela procura fiar se;
8
condicionando
I 17
o
homem
ao
hábito
gramatical
de interpretar
a
r
ealidade
vendo nela
apenas
sujeitos e predicados,
incita-o a postular a existência de um
autor
por
detrás de toda ação;
enquadran
do aquilo
qu
e os
se
r
es
h urnanos
pensam
e fal
am
nos
pad rõ es
da
Cõ lusa lidadc, tal concepção os impele, em suma, a
n
egar
o
caráter
processual
da
existê
cia.
A exigência
analítica de
um modo
de
expres
são perfeiLamente adequado e objetivo, qual um
decalque transparente
da
esfera que designa a efe
tividade, só
poderia ganhar
relevo, no fundo, pela
falta de ca
utela
crítica. Daí a oportunidade des
cerrada
por ·ietzsche
de
combater
a
idéia de
que
se possa obter,
por
meio das palavras, um acesso
ao uúcl
eo
indivisível e inquestionável do existir. A
l ver, a verdade
qu
e as palavras nos colocar iam
em mãos seria de ordem tautológica. través delas,
o
hom
em
apenas reencontraria
aquilo
que
ele
pró
prio teria introduzido nas designações. A fim de es
clarecer essa curiosa espécie
de
auto-ofuscamento,
o rilósofo
alemão
provê o seguinte exemplo:
Quandu alguém escundt: algo detrás
de
um a r b u ~ t u ,
8
uo co
n
to lávis
'
-
eSt;tcvc Nict7.sch -
' t: trvt:ndo pela
\ :olsa l
i'lpis. IL.
r a
g m ~ o t ~
p stumo
v ~ ã o tl
e 1872,
n°
19 (
21·2
); ~ m
S;im Lliche
111érkl .
Krilisclw StudiP tllll
lS l
à
Úl ,
Gi
vri{Ív Cvl li Mazzino l\1'vntinari, B<'rlim / No\11 York, Wal
lt:r J., GrU ' l.ct, 1999, vvl. 7,
p. 495
.
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INTRODUÇÃO
18
I \fo
lta
a procurá-lo
justamente
lá onde o esc
ondeu
e
além de tudo
o
en
c
ontra
não há
muito
do
que
se
angloria.r nesse procurar e enc
ontrar
[. . . ] Se crio a
n ã
de
mamífero
e,
aí então
, após
inspecionar um
camdo
,
declaro
: veja, eis
um mamífero com
isso, uma
verdade de< :rto
é trazida à
plena luz,
mas
ela possui
um
valor limitado.
9
O processo
que
consiste em definir o conceito
de animal mamífero para a partir de
um
animal
particu
l
ar
,
compor
o enunciado Veja, eis
um ma
mífero
, teria como conseqüência a idéia de
que
o ser rnarnifero
pertenceria
essencialmente ao
exemplo individual. O que já não ocorreria no se
guinte
caso:
De
nominamos
um
hom
<::
m honesto; p
t::
rguntamos
en
tão: por
que
motivo ele
agiu
hoje de
modo tão
honesto?
Nossa ré:$posta c
ostuma
s
o::
· a seguinte: em fun\ião de
sua
honestid.ade.
10
A despeito de figurar como
uma
proprie
dade acidental do sujeito da proposiç.ão, o
te
rmo
hones
to
dá
a
entender
, aqui,
que
a
própria
honestidade
pertence
à
essência do sujeito em
questão, não só como atributo, mas corno subs
tância, já que foi ern virtude de ta l termo que
a denominação ganhou.
sentido
de
sorte
que a
alardeada diferença entre essência e
acidente
não
•
ld
. ibid.,
p
883.
'
0
tl.
ibid.,
f
· 880.
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FERNANDO DE MORAES BARROS
sena nada
inconcussa,
mas inteiramente
casua
l.
19
O
que também
revel
aria
, urna vez mais, a
tau
to-
logia subjacente
à
própria linguagem: o
ser
do
homem
honesto est aria,
no
fundo,
no
fato de ele
ser honesto.
Assim, se pela definição geral -
animal
mamí
fero, por
exemplo
- não se tem acesso ao verda
deiro
em
si , tampouco caberá às
pa
lavras
que
se
aplicam às propriedades particulares to
rná
-lo aces
sível a nós. Antropomórfica, a oposição
en
t
re uni
versal e particular não proviria
da
essência das coi
sas, mas de
um
abuso:
Nada sabemos, por
< l
rto, a rl:'sp.,ito J .,
uma
qualidad
.
..,;se ncial que se chamasse a honestidade mas, antes do
mais, d <: inúme
ras
individualizadas. , por <.:onS<: ·
guint.
, desiguais,
que igualamos por
omissão
do
desi
gual
., passamos a
tl'= >-igna
r, desta feita, c
omo
a
11
ões
ho
n estas. ' '
Mas se,
por
aí, o
homem
não
faz senão se
en
redar na trama de
suas próprias ficções, não
lhe
seria permitido vislumbrar uma dimensão mais
visceral, através
da qual
ele pudesse
reencontrar
não
a presença imediata das coisas em
si
mesmas,
mas aquilo que
há
de inexplorado
na
palavra?
Na
tentativa
de responder
afirmativamente à per
gunta
, Nietzsche espera descobrir e afir
ma
r
um
H
Jtl. ibid.
1
I'· 880.
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INTRODUÇÃO
20 modo
de representação
anterior à própria
pa
l
avra
articu
la
da,
que
viria à
tona sob
a forma de
urna
metáfora intuitiva.
Acerca desta
que
poderia
ser
caracteri
zad
a
como uma
ancestral remota e
fugi
-
dia
do próprio
conceito, e
le
pondera:
~ o
o
co
n
wit
o,
o ~ ~ c
d o
"'
octogonal
co
mo uro
dado "' tão rolant
to
como
to
ste, permanece t ã o ~ o
e n t e
u
resíduo de
um
metáfora
St ndo
qu"' a ilusão da trans-
p o s i ~ o art
ístic.;a de um estímulo ne
rv
oso em imag
tons
,
s
to
não
b
a mãto,
b
au menus a avó tle totlo conceito. ••
Como
inequívoca
paródia
da compreensão do
homem
acerca da linguag
em, a metáfora
in
tuitiva
surge, se não
como
a
mãe
, pelo
menos enquanto
a mãe
da
mãe
de
toda
representação
conceitual.
Mas,
evitando
investigar
a hist
ór
ia
de seus
" ante -
passados
,
a rede
humana de
conceitos já não
re
-
conhece as
metáforas de origem,
como
metáforas
,
e as torna pelas coisas
mesmas.
É justamente por
proceder
dessa
maneira que
a
linguagem renuncia
-
r
ia à
opor
tunidade
de t
omar
para si
ou
t
ras funçõ
es,
sotenando
o poder
criador
e inaudito que
traz con
-
sigo. A esse propósi to, o filósofo
alemão
escreve
ainda:
A partiT dessas
n t
u i ~ õ e s
ll
t
nhum
caminho r
t g
ular dá
acesso à te
rra
dos
tl
squ
em
as fantasmagóri
cos,
[ . . ] o ho-
lllt ID
t lllUtlt ct
quantlo as v<? un, .,utão, fala por tnt io
.. tl. ibid., f'· 882.
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FERNANDO DE MORAES BARROS
de metáforas nitidamente proibidas e cumbinayões cun- 21
ceituais in
au
ditas, para ao
menus
corresponder criativa-
ment<
,
mediante
o de
smantelamento
e a
ridi
c
ulariza
-
yão das antigas limita<;ões conceituais, à voderosa intui-
iãu tu l
5
Em
vista disso, quem procurasse
na
linguagem
um novo âmbito
para
sua aç
ão
, '
4
seja por meio
de
metáforas proibidas, seja por
mei
o de arranjos
conceituais inéditos, encontraria tal senda, em
linhas gera is, na arte. '
5
São precisamente as
conseqüências dessa aceitação
qu
e irão impelir
Nietzsche, mais tarde, a
tentar
assegurar
à lin
guagem não um fundo sonoro supra-sensível, mas
uma
musicalid
ade atinente
à
própr
ia
palavra.
É
também
por ai que se com preende o motivo pelo
qual
a c
ha
mada linguagem dos gestos term
inará
por converter-se, corno expressão
derr
adeira e
paroxistica do estilo nietzschiano, na própria
eloqüência t
ornada
música . Razões bastan
te
s
para
que a ponderação contida em Sobre verd de
e m entir no sentido extr mor i possa ser vista
como a semente a partir da qual nasce e cresce
a orientação filosófica exigida pelo Nietzsche
da
maturidade. E não só. Ao mosu-ar que a ilusão faz
parte
dos pressupostos da vida, seu
autor
faz
ver
~
Jd
i
p.
889.
4
lU
. i
bid
.
p.
887.
15
Jd
p.
887.
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INTRODU
ÇÃ
22 que nós também a despeito de nossas po
rtent
o
sa
s
ver
d
ade
s
men
t
imo
s
para
viver.
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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SO RE VERDADE E
MENTIRA NO SENTIDO
EXTRA MORAL
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SO RE VERD DE
E
MENTIR
no sentido ex tra
mor l
Em
algum
remoto recanto do universo,
qu
e
se
deságua fu
lgurantemente em
i
nume
ráveis
si
s
temas solares, havia uma vez um astro, no qual
anima is astuciosos inventa ram o
conhecimen
to.
Foi o
minu
to
ma
is audacioso e hipócrita
da
histó
ria universal : mas, no fim das contas, foi apenas
um minuto. Após alguns respiros
da
natureza, o
astro congel
ou
-se, e
s
astuciosos
animais tiveram
de
morrer. Alguém poderia, d
esse mo
do,
inventar
urna fábula e
ainda
assim
não
teria ilustrado sufi
c
ientemen
te bem quão last imável, q
uã
o som brio
e
efêmer
o,
quão
s
em
rumo e sem motivo se des
taca o intelecto humano no inte
rior
da
na
tureza;
houve
eternid
ades em que ele
não
estava presente;
quand
o
ele
tiver passado mais
uma
vez,
nada
terá
ocorrido. Pois,
para
aquele
int
electo, não
há
nenhuma missão ulterior
que
con
du
zisse
para
além
da vida h
umana
Ele é, ao contrário, hu
man
o, s
en
do que apenas
se
u possuidor e
gera
dor o
toma de maneira tão patética, como se
s eix
os do
1
25
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SOBRE VERDADE E MENTIRA
26 I mundo girassem nele. Mas se pudéssemos pôr-nos
de acordo com o mosquito, aprenderiamos então
que ele
também
flut
ua
pelo
ar
com esse
pathos
e
sente em si o centro esvoaçante deste mundo. Na
natureza, não há
nada
tão ignóbil e insignificante
que, com um pequeno sopro daquela força do
conhecimento, não inflasse, de súbito, como um
saco; e assim como todo carregador
de
peso
quer
ter seu admirador, o mais orgulhoso dos homens,
o filósofo, acredita ve·r por todos os lados os olhos
do universo voltados telescopicamente na direção
de
seu
agir e pensar.'
É curioso que isso seja levado a efeito pelo inte·
lecto, precisamente ele, que foi outorgado apenas
como instrumento a\Lxili
ar
aos mais infelizes, frá ·
geis e evanescentes dos seres,
para
conservá-l
os um
minuto na existência; da qual, do contrário, sem
essa outorga, eles
te
riam todos os motivos para fu
gn
tão
rap
i
damente
quan
to o
fi
l
ho
de Lessing.•
' Frio:d r
iG
h Nietzs
t:
h
t:
, Über Wahrh.eit un.d Lü.ge im
au
sser-
momlischen Sinn.e.
E.rn
amlliche We
rk
e Kril:ische
tud
ie·
nause·abe,
G
io
rg
io
Colli
e
Mazzino Mo
ut
inar
i, Ho:rli m
Nova
York,
VValt
" r d., Gru
yt
r, 1999, I'
P·
873 -890.
• T ido por N
i,
:t?.s
c:
he c
omo
um
erudito ideal
(C
f.
R Ni
e
tz
s<.:h
o::
Fragm
ent
o póstumo do inverno de 1869
'
Lla pri·
m av
.ra
J ., 1870, n°
2 [
12 ]. Em Samtliche We
rk
e. Kritis·
che Studierwusgabe,
G
iu
rgiu Culli " 1
l
azz iuu M um
iu
ar i, Ber ·
lim 'ova York, 'Wal
t<;:
r dt: ~ 1
999,
VL> I. 7, p 49),
Gotthuld Ephraim Lessing ( t
729-1781)
pom .,ra, nu
m a te ·
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NIETZSCHE
Aquela audácia ligada ao conhecer e sentir, que I
27
se acomoda sobre
os
olhos e sentidos dos homens
qual
uma
névoa ofuscante, ilude-
os
qua.nto ao va-
lor da existência,
na
medida
em
que traz
em
si a
mais envaidecedora das apreciações valorativas so-
bre o próprio conhece
r. Seu
efeito
ma
is
universal é
engano - todavia,
os
efeitos mais particulares tam -
bém
tTazem
co
nsigo algo do
mesmo
caráter.
Como
um
meio
para
a
co
nservação do indiví
duo, o intelecto desenrola suas principais forças
na
dissimulação; pois esta const
itui
o
meio pe
lo
qual
os indivíduos mais fracos, menos vigorosos,
conservam-se, como a
qu
eles aos
qu
ais
é
denegado
empreender
uma luta
pe
la existência com
chi
fres e presas afiadas. No homem, essa arte
da
dissimulação atinge seu cume:
aqui
, o engano, o
adular
,
ment
ir e
enganar
, o falar pelas costas, o
representar, o viver
em
esplendor consent ido, o
vd adora car ta a Johann Joachim Esche
nburg
, sobrt: a m ort
t:
pre mat
ur
a
dt:: St U
Glhu:
"M
i
nh
a a
legria durou
pom:o: pe
rd
i
o co
rn t.acnanha r ~ u t â n ~ i a ~ s s ~
filho
Pojs ~ ~ ~ tinha ta
n
to
en t<::ndime ntv
Ta
n to entend imento Não p
ens<:: qu
<::
m inhas
vow
.as horas d
t: _ p a t ~ r n i d a J ~ f i z ~ r a m d ~ mim
uma
b ~ s a Jl:
jJ
ai
Se i o q
ue
falo. Não foi o
en
t
"nJime
ot
o
qu
e
obt
i
gou
a
puxá-lo a fén eo f(m
:e
ps pa
·
a o mundo? Que t < ~ o
..:edv
o levou
a p
t:
n t bl" r
sua
desrazãü? Nãu foi o
~
t t ' n d i r n
n t o q u ~ t
l
t
se
va
lt:u
na
prime ira
Opl.)t
t
unid
ade q u ~ t t Vc: pura aban onã-
lo nvvam t: n t<::?" (Em G E. .Lt:
ssing
, Kritik wulDmmaturgie.
usgewiihlle Prosa SLu L.g<\ rt, R.,dam, 1957, p.
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SOBRE VERDADE E MENTIRA
8
I mascaramento, a convenção acobertadora, o fazer
drama diante dos outros e de si mesmo,
numa
pa
lavra, o constante saracotear em t
orno da chama
única da vaidad
e
constitui a
ta
l ponto a regra e a
lei que quase
nada
é mais incornpreensivel do que
como pôde vir
à
luz
entre os
homens
um
legítimo
e puro impulso à verdade. Eles se ach
am profun
damen
te imersos
em
ilusões e imagens oníricas,
seu olho desliza apenas ao redor
da
superfície
das coisas e vê " formas
, sua
sensação
não
leva
à
verdade em nenhum lugar, mas
an
tes se satisfaz
em receber estímulos e tocar, por assim dizer,
um
teclado sobre o dorso das coisas.
Par
a tanto, o ho
mem consente,
à
noite e através de toda u
ma
vida,
ser enganado em sonho,
sem
que seu sentirnento
moral
jamais tentasse evitar
isso:
não obstan
te
,
deve haver homens
que
, pela força de vontade,
de
ixaram
de roncar. O
qu
e sabe o homem, de fato,
sobre
si
mesmo Seria ele
sequer
capaz,
em
algum
momento
,
de
perceber-se
inteiramente
, c
omo
se
estivesse
numa
il
umina
da cabine de vidro? Não
se
lhe
emudece a
na
tureza acerca de todas as
outras coisas,
até
mesmo
acerca de
seu
corpo,
para
bani
-lo e
tr
ancafiá-lo
numa
consciência orgulhosa
e
engana
dora, ao largo dos movimentos intesti
nais, do veloz fluxo das correntes sangüíneas e das
complexas vibrações das fibras
Ela
jo
gou
f
or
a
a chave: e coitada da desastrosa curiosidade que,
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NIETZSCHE
através
de uma
fissura, fosse capaz de
sair uma 29
vez
sequer
da
câmara
da
consciência e olhar
para
baixo, pressentiJJdo
que
,
na
indiferença
de seu
não-saber, o homem repousa sobre o impiedoso,
o voraz, o insaciável, o assassino, como se, em
sonhos, estivesse dependurado sobre as costas
de
um
tigre.
Então de onde
viria o
impu
lso à verdade
no
mundo
inteiro, nessa constelação?
Enquanto
o indivíduo,
num
estado
natural
das
coisas,
quer
preserv
ar
-se cont
ra
outros indivíduos,
ele
geralmen
te se vale do intelecto apenas para
a dissimulação: mas, porque o homem quer, ao
mesmo tempo
, existir socialmente e ern rebanho,
por
necessidade e
té
dio, ele necessita de
um
acordo
de paz e
empenha
-se
entã
o para que a mais cruel
bellum omniu m contr om nes
ao menos desapareça
de seu mundo
. Esse acordo de paz traz consigo, po
rém , algo que
par
ece ser o primeixo passo
rumo
à
obtenção daquele misterioso
impu
lso
à
verdade.
Agora, fixa-se aquilo
que
, doravante, deve
ser ver
dade ,
q
uer
dizer, descobre-se
uma
designação uni
formemente
válida e impositiva das coisas, sendo
que
a legislação
da
l
inguagem
fornece
também
as
primeiras leis
da
verdade: pois aparece, aqui, pela
primeira
vez, o contraste
entre
verdade e
men
t ira;
o mentiroso serve-se das designações válidas, as
palavras,
pru·
fazer o imaginário su
rgir
como efe
tivo; ele diz , por
exemp
lo, sou rico
,
quando para
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SOBRE VERDADE E MENTIRA
30 seu estado
justamente pobre
seria a designação
mais acertada. Ele abusa das convenções consoli
dadas
por
meio de trocas arbitrárias
ou
inversões
dos nomes, inclusive. Se faz isso de
uma maneira
individualista e
ainda
por cima nociva,
então
a so
ciedade não confiará mais nele e, com isso,
tra
tará
de
excluí-lo. Nisso, os
homens
não evitam
tanto
ser
ludibr
iados
quanto
lesados pelo engano.
Mesmo nesse nível, o
que
eles odeiam
fundamen
talmente
não
é
o
engano
,
mas
as conseqüências
ruins, hostis, de certos gêneros de enganos.
Num
sentido
semelhantemente
limitado, o homem
tam
bém quer
apenas a verdade. Ele quer as conseqüên
cias agradáveis da verdade,
que
conservam a vida;
frente ao puro conhecimento
sem
conseqüências
ele é indiferen
te
, frente às verdades possivelmente
prejudiciais e destruidoras ele se indispõe
com
hos
ti
lidade
, inclusive. E mais até: como i
cam aqu
e
las convenções da linguagem? São talvez produtos
do conhec
imento
, do sentido de verdade: as desig
nações e as coisas se recobrem?
Então
a lingua
gem
é
a expressão adequada de todas as realida
des? Apenas
por
e
squ
ecimento pode o
homem al
guma
vez chegar a
imaginar que detém
uma
ver
dade no grau ora mencionado. Se ele não espera
contentar
-se
com
a verdade sob a forma
da
tauto
logia, isto é, com c
on
chas vazias, então irá perrnu
tar eternamente
ilusões
por
verdades. O que é urna
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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NIETZSCIIE
palavra? A
reprodução
de
um estímulo
nervoso
em
I
31
sons.
Mas
deduzir do
estímulo
nervoso uma causa
fora
de
nós já é o
resultado
de uma
aplicação falsa
c injustificada do princípio
de
razão. Corno pode
ríamos, caso tão-
somente
a verdade fosse decisiva
na gêuese
da linguagem,
caso apenas o ponto de
v·i
sta da
certeza fosse
alg
o decisór
io
uas designa -
ções, c
omo
poderíamos
nós , não obstante, dizer: a
pedra
é
dura;
como
se esse
dura
ain
da
nos fosse
con hecido
de
alguma
outra
maneit·a e não só como
um
estímulo
totalmente
subjetivo eccionamos
as
coisas de acordo com gêneros,
designamos
a ár-
vore como feminina e o vegetal como
masculi
no:
mas
que transposições arbitrárias
Quão longe
vo-
amos jJara além do
cânone da
certeza Falamos
sobre
uma
serpente:
a designação não tange se-
não
ao ~ t o de se.r
pentear
e, portanto, poderia servir
também ao verme.
Mas que
demar
cações arbitrá -
rias,
que
preferências
unilat
.erais,
ora
por
esta, ora
por aquela propriedade de
uma
dada
coisa
Dis
-
postas lado a
lado
,
as
diferentes
línguas mostram
que, nas palavras, o que
conta nunc
a é a verdade,
jamais
uma
expressão adequada: pois, do contrá-
rio, não
haveria tantas
línguas.
c
oisa em
si
"
(ela
seria precisamente
a pura verdade sem quais-
quer conseqüências) tam b
ém
é,
para
o criador da
linguagem
,
algo
to
talmente inapreensivel
e
pe
lo
qual
nern
de
l
onge
vale a
pena
esforçar-se.
E Je
de-
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32 1
SOBRE VERDADE E MENTIRA
signa
apenas as relações das coisas com os homens
e, para expressá-las, serve-se da ajuda das mais
ou
sadas
metáf
oras.
De antemão
, um estímulo
ner
voso transposto
em
uma imagem Primeira metá
fora. A
imagem
, por
seu tmno
,
remo
delada num
som Segunda metáfora. .
.
, a cada vez,
um
com
pleto sobressalto de esfe ras em direção a
uma
ou
tra tota
l
mente
d
iferente
e nova. Pode-se conce
ber
um
homem que seja completamente su
rd
o e
que jamais tenha tido
uma
sensação do som e da
música: da mesma forma que este, um tanto es
pantad
o com as figuras sonoras de C
hl
adni sobre a
areia,'
encontra suas causas na vibração das cordas
$ O tt:xto
fa
z ~ n ~ ã o ao ~ x p ~ r i m ~ n t o levado a cabo p ~ o
í
-
si
cv alemão Ern
> t
Chl
adni
(1756- 1827) ue se dc>"tina a
rifkar a
oc
o1·rt::
n
l,;
ia
de oor tas f
ormas
vlbratórl as e que cou
v..;
m1
aqu i,
x p l i t a
r Basicam t:: n tt::, t r a t a ~ d t:: c,;obr ir a
pe:rfk it: de
um
a plat..:a d n.:ula.:r de
Il'
H
H.l
e ira, vidro ou O'let
al
,
ço m lt:vt::s ]Ja r tku las d
t
art::ia - ~ rt::a lidad t:, ç o r ~ a ~ r n
t_JÚ
1-'ara, «.:um o aux
il
io tle UO'l arco u ~ violino: PII)VO<.:ar vibra ·
\iÕt S
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< CÍ
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d s ~ assiro disposto.
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t:
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das v i b r a ~ õ
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1- l.
a<Ja ter
rr•inam por s ~ dividir
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r s a s s ~ Õ ~ s
n o v i n ~ n t a n d o
s
agu i " a
<:
olá,
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ci
ma
e
para
baixo,
formanJ
o
t r a ~ o
s
limí
t r o f ~ s t
linhas noda is
~ u t r
as á r ~ a s m a is
a g t a d a s ~
as zon as
<
om menor
int
e nsida
de
vibrá
t
il.
Ao longo de tal pro
<:
esso,
as l'arth.:
ul
as polvilhadas tendem a espalhar-se em me
iv
às
t:
Xtt:
nsõe s majs
vib
r
antt:s
e ac urnular -s
t:
LáJ onde a vihra'ião
i .
~
n o r
de
sort
t: < t U ~ d ~ acordo c
om
a forma do disco e
çonfor m t: o lot,;al em qu t:
nt::l
t: 6 provoc
adv
o mov im t:nto vi
brató'rlo, Uife rentes Ggu·ras sonoras
,r rn
à supe:rficie . Aq-u i
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NIETZSCIIE
e jurará que agora não pode ma1s ignorai· aquilo 33
que
s
homens chamam de som, assim
também
sucede a todos nós com a linguagem. '\creditamos
saber algo acerca das própt·ias coisas, quando fa -
lamos de árvores, cores, neve e flores, mas, com
isso, nada possu.imos senão metáforas das co.isas,
que não correspondem, em absolu
LO
às csscncia-
O rn
dhor
ml 'Smo r t L::Vfl"C T
às
palavras
do
prÚ jJfiO
f ( ~ i c . : o al..:
·
mão. 1m :,na princ.:i}Jal vbra, aclÍstica
( lc: Uiz:
As fJ1acas
poJo:m s.:r d., vidro
ou
dt:
um
mt:t.al ba.t.antA: souoro ( . . . )
P u d ~ M
se:-rvir
,
indu:,;vç,
tlt: fJlacas dt> rnac.lt·ira,
mas
,
n ~ S S t :
c
a>o, a. figura. não
serão
regulare•, já que
a
d a > t i
i d a d e
não
Í a
~ s t n d nos d i f t : r t : n ~ s sentidos.
N u r m a l r n ~ u k :,in·o
m ~
de f.>la
c
ao
de
vidro,
já
que
é
posoívd
en
c
onu·á
-
la.
fadlmente
sob a r n ~ s m t: ::.J.h:::ssura ~
yorqu
t: ~ L a
transvarência
~ r m i t e
c n X c l ' ~ a t ' OS lo(.;a.iS noS quai )
SâO
toüaLlas, COJl'l OS J t a l ~ ,
[)VT
tlub.li:<o". (Erust Cbla,Lni, Dil ustik , l .t•ipzig, Brc:itk"pf
11.
1-ltirtA: I, 1602, p. 118-19). Mais adiant•.:, e S J < I < ' t . : a m < ~ n t < ~
sobn
; as pla..:(ts t.:in..:u
lares,
ele esclarct:c: "No
que
t a u g ~ aos ti
pos
c
., i b a ~ ã o d.,
uma
plat,;a r ~ , ; u l a as linhas notlais são ou
diarnct.rals vu circulares[
. . .
]
ExprUnirt."i
o
IIÚ_mcru Ue
linhas
nudai• da
mt >ma forma que
os
das p l a
~
a • rc tangulart s,
f.>e>·
:: il'ionando
''
númt:ro
atinc:::ntt: à;
linhas nudai:, nas
d i r t : ~ V t : - s
Jiarnt:Lrdi::t
antes do t r a ~ v q u ~
Se-para
o ~
dui:,
n ú m ~ r o s po
r
mim i n d i ~
a d o > ,
e, depois
do tra, o, o nÍirncro d., linhas no
dais
I J é L r a l ~ l d s
d
borda, ~ n l l o q u ~ e s ~ s laltimu:, ~ r d u
~ s e
r i os
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romanO'>.
As.im
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tlua.slinhas
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atllt t.l·ais se
c
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tun
uo
ocntro
( f
igura
99)
.:,
tl ntn: todas
as
figuras fJOssív., is, aqnda < ~ q u
valt· dU
SOUl
OJtliS g r a v ~ ' ' .
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34
SOBRE VERDADE E MENTIRA
lidades originais. Tal como o som sob a forma de
figura de areia, assim se destaca o enigmático
x
da coisa em si, uma vez como estímulo nervoso, em
seguida como imagem, e, por fim, como som.• De
qualquer modo, o
surgimento da lin
guagem não
Ibid.p.
156-
15
7.)
• As figuras
tl t:
Chlatlni são
oportunas a
Nit:tzscht:,
porq ut:
servem
pata indicar, a
partir do fun
bito
sonu1·o,
a
i1n
v
os
sibili
d a d ~
de
~ x r r e s s a r
adequ a
damente
a
ven
latl
ei
ra
' ' ~ a l l d a t l e
do mundo . A,ssim <.:O m ) tals figuras n ç u m b ~ u ~ t:
dltar
t..:ópias
dos
sons
nuntLo
rn
e i o
na a r ~ i a , no
ca
so, assim tam
b rdacionarlam as palav1·as c.:om as w isas, a sabt::r, a var
tir da t ransposi\;ào de
Llfn estím
ulo nervoso
em
imagettl
e:
de ·
pois, t:m
som.
O ho
ro .,m,
infle ·h•d t m
rdalião ao
t:nigmático
~ , X , pur dt; tn\s do que faJa ~ c ~ - c u t a , co
nte
.n:q.>laria t: m vão os
J ~ s t ; : n h o s
sonoros
~ m n ~ t ~ s u ~ s r e r r a r
qualqut;:r p a s s a g ~ r r l ao
legít
imo
&r Jas Goisas. Afinal, Gomo
dil·á
1
it:tzsG
h<: alhu-
~ s
Nã
o
p o J ~ m o s ~ ~ u s a T as
c
oisas tals
como t-
las são
, J-lOis
não
deveríamos
j u ~ t a m ~ u t c
pensá
-las.
Tud
o pcrmanc:<.:c as
sim, tal c
un
lo é:
i s t o ~ '
todas as
qualhlade:s
revelam
uma ma-
t ~ r l a
i n J ~ f j n i J a t absoluta.
A r
t::
la\ião aqu i s
t:
dá co
mo aqut:
La
que
as Jigu
rru; sonor
as de
Chladni estabe
l
c:<.:em
«.:om as
vlbra
~ õ ~ s F: Nit:tzsch-:l 'ragmt::n
to
póstumo do vt: r ão t i ~ 1872 ~
iníciu de 1873, n°
19
[14-0]. Em Siimtliche Werke. Kritische
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NIETZSCIIE
procede, pois,
logicamente
,
sendo que
o
inteiro ma
- 35
teria no
qual
e com o
qual
o homem da
verdade
.
o pesquisador, o filósofo, mais tarde trabalha e edi-
fica, tem
sua origem
,
se
não
em
alguma
nebu
losa
L
tcolâ
ndia
,
em
todo caso não
na
essência das coi-
sas.
Ponde
remos ain
da,
em
especial, so
br
e a for
ma
ção
elos
conceitos: to
da pa
l
avra torna
-
se
de
ime
di
ato um conceito à medida
que
não deve senrir, a
título de recordação, para a vivência primordial
completamente
singular
e individualizada à
qual
deve
seu surgimento, senão
que, ao
mesmo
tempo,
deve coadUllar-se a
inumeráveis
casos, mais ou me-
nos
semelhantes,
isto é,
nunca
iguais
quando
to
mados
à
risca, a casos
nitidament
e desiguais, por
tanto. Todo conc
eito
surge pela igualação do não
ig t a l. Tão certo como uma fo lh a
nunca é
total
mente
igual
a
uma
outra,
é ce
rto a
ind
a
que
o
con
ceito de folha
é
formado
por m
eio
de
uma
a
rbi
t rária absrração dessas diferenças individuais, por
um esquecer
-
se
do
difer
enciável,
despertando en-
tão a representação, como se na natureza,
al
ém das
folhas, houvesse algo que fosse folha , tal como
uma forma primordial
de
aco
rdo
com
a
qual
todas
as folhas fossem tecidas, d
esenhadas, contorna
das,
co loridas, encrespadas e pintadas, mas por
mã
os
Stu if llf1l1St;f1bl ,
G il)rg i
-
Coll i
o;
Ma7,7.Íno
Montinari,
Bt:
rlim
/
ov York,
Wahcr d
Gruyt.t:r, 1
99
9,
vol.
7, f >·
464·).
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SOBRE VERDADE E MENTIRA
6
I ineptas, de
sorte
que
nenhum exemplar
resultasse
correto e confiável corno cópia autêntica da forma
pTimordial.
enominamos u.m homem
honesto;
perguntamos então: por que motivo ele
agiu
hoje
de modo
tão
honesto? Nossa resposta costuma ser
a seguinte: em função de sua honestidade. A ho
nestidade
Um
a vez mais, isso significa: a folha
é a causa das folhas. Nada sabemos, por certo, a
respeito de
uma
qualidade essencial
que
se cha
masse honestidade, mas, antes do mais, de
inúm
e
ras ações individualizadas e,
por
conseguinte,
de
siguais, que igualamos por omissão do desigual e
passamos a designar, desta feita, corno ações hones
tas; a
partir
delas formulamos, finalmente, urna
qu lit s occult
com o nome: honestidade.
A inobservância do individual e efetivo nos for
nece o conceito, bem como a forma , ao passo
que
a natureza desconhece quaisquer formas e concei
tos,
e
porta
nto
,
também
quaisquer gêneros, mas
tão-
somente um
" x"
que
nos é inacessível e
inde
finível. Pois
até
mesmo nossa oposição entre in
divíduo e gênero é antropomórfjca, e não advém
da essência das coisas,
ainda
que não
anisquemos
dizer
que ela
não
lhe
corresponde: isso seria, efeti
varnente, uma asserção dogmática e, corno tal, tão
indemonstrável quanto o
seu
contrário.
O
que
é, pois, a verdade?
Um
exército móvel
de metáforas, rnetoní.mias, an.tropom01·fismos,
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NIETZSC
IIE
numa palavra, uma soma de relações humanas 7
que foram realçadas poética e
retoricamente
,
transpostas e ado
rnadas, e que, após uma longa
utili1.ação, parecem a um povo consolidadas, canô-
nicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das
quais se esqueceu
qu
e elas assim o são, metáforas
que se Lornar
am
desgastadas c sem força sensível,
moedas
qu
e
per
de
ram
seu
tTO
U
t l e
agora
são
levadas
em conta
apenas como m
eta
l,
e não mais
como moedas. Ainda não sabemos donde provém
o impulso à verdade: pois, até agora, ouvimos
falar apenas da obrigação de ser vera7. que a
sociedade, para existir,
institui, isto é,
de
utilizar
as metáforas habituais; portanto, di to moralmente:
da obrigação de mentir conforme
urna
convenção
co
nsolidada, mentir
em
reba
nho
num estilo a to -
dos obrigatório. O homem decerto se esq uece que
é assim que as coisas se lh e apresen
tam;
ele
mente
pois, da
maneira
indicada, inconscienL
emente
e
co
nforme hábitos seculares - e precisamente por
meio de
a
inconsciência justamente
mediante
esse esquecer-se,
atinge
o
sentimento
da ve
rdade.
o
sentimento
de es
tar
obrigado a indicar
uma
coisa corno vermelha outra como fria e uma
ter
ceira como muda, sobrev
ém
urna
em
oção
mora
l
a tin ente à verdade: a partir da cont raposição ao
ment:ü-oso, àquele em
quem nill
guém confia e
que todos exclu
em
, o
hom
em demonstra para si o
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SOBRE VERDADE E MENTIRA
8
que há de
venerável confiável e
útil na
verdade.
Como ser cional põe
seu
agir sob o império das
abstrações:
já não
tol
era
mais
ser
a.rrastado
por
impressões repentinas pelas intuições sendo
que
universaliza antes todas essas impressões em con
ceitos mais desbotados e frios
para
neles
atrelar
o veículo de
seu
v
iver
e agir. Tudo
aqui
o
que
sobreleva o
homem
ao
animal
depende dessa capa
cidade
de vo
latilizar as metáforas intuitivas
num
esquema de dissolver
uma
imagem
num
conceito
portanto; no
âmbito
daqueles esquemas
torna
-se
possível algo que nunca poderia ser alcançado
sob a égide das primeiras impressões intuitivas:
erigir u
ma
ordenação
piramidal
segundo castas
e gradações criar
um
novo
mundo
de leis
pri
vilégios subordinações delimitações que agora
faz fi·ente ao
outro mun
do intuitivo das primeiras
impressões como o mais consolidado universal
conhecido
humano
e
em
virtude
disso como o
mundo
regulador e imperativo.
Enquanto
ca
da
metáfora intuitiva
é
individual e desprovida de
seu
correlato e por isso sabe sempre
eludir
a todo
rubricar o
grande
edifício dos conceitos exibe a
inflexível regularidade de
um
columbário romano
e exala
na
lógica aquela dureza e frieza que são
próprias
à
matemática. Aquele
que é
baforado
por
essa frieza
ma
l acredit
ará
que
mesmo
o conceito
ossificado e octogonal como
um
dado e
tão
rolante
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NIETZSCIIE
como este,
permanece
tão
somente
o reslduo
de
39
um metlifora
sendo
que a ilusão da transposição
artistica de um estímulo nervoso em imagens,
se
não é a mãe, é ao menos a avó de todo conceito.
Mas, no interior desse jogo de dados dos conceitos,
denomina
-se ve
rd
ad
e
a utilb:ação de cada dado
tal como ele é des
ign
ado;
o
ntar· seus pontos com
acuidade, f
or
ma
r r
ub
r icas corretas e
jama
is
aten-
tar contra
a
ordenação
de castas,
bem
como
contra
a seqüência das classes hierarquicamente organi-
zadas. Tal como os romanos e etruscos dissecavam
o céu através de firmes
linhas matemáticas
e
rel egavam um deus num espaço assim
demarcado
,
como num templo, assim cada povo tem sobre si
um
equivalente
céu co
nceit
ual matematicamente
dividido e, sob a exigência da verdade,
agora
en-
tende que cada deus conceitua I deve ser buscado
apenas em
su a
esfera. Aqui, cabe mltÜo bem
admirar
o h
omem
co
mo
um
formidável gênio da
construção, capaz de
erguer
sobre
fundamentos
instáveis c como que sobre água oorr('nte um domo
de conceitos
infini
tamente complicado; por
cert
o,
a fim
de
manter-se
i
rmemente
em pé
sobre tais
fundamentos, cumpre ser uma constJ·ução corno
que feita
com teias de
aranha
,
suficientemente
delicada
qu
e possa ser levada pelas ondas e firm e
o bastante para não ser despedaçada pelo sopro do
vento. Como
gênio
da construção, o h
omem
eleva -
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SOBRE VERDADE E MENTIRA
4
se
muito acima
da
abelha na seguinte
medida: esta
última constrói a partir da cera, que ela recolhe
da natureza, ao passo
que
o primeiro a partir da
matéria
muito
mais delicada dos conc
eit
os,
que
precisa fabricar a
partir
si mesmo. Aqui,
cumpre
admirá-lo muito, mas não somente por causa de
seu
impulso
à
verdade, ao c
onhecimento
puro das
coisas. Quando
alguém
esco
nde
algo detrás
de
um
arbusto, volta a procurá -lo justamente lá onde o
escondeu e
além
de tudo o
encont
ra, não
há
muito
do q
ue
se vangloriar nesse procurar e encontrar:
é assim que se dá com o procurar e encontrar da
verda
de no interior do dorninio da razão. Se crio
a definição de mamífero e, aí então, após inspeci
onar
um
carnelo, declaro: veja, eis
um
mamífero,
com isso urna verdade decerto é trazida à plena
luz, mas ela possui um valor limitado, digo, ela
é antropomórfica de fio a pavio e não
contém
um
único ponto sequer
que
fosse
verda
deiro
em
si
, efetivo e unive
rsalment
e válido, deixando de
lado o
homem.
Em princípio, o pesquisador dessas
verdades procura apenas a metamorfose do
mundo
nos homens; esforça-se por uma compreensão do
mundo
visto como urna coisa própria ao
homem
e,
na
melhor
das hipóteses, granjeia
para si
o
sentimento
de uma assimilação.
À
semelhança
do astrólogo
que
observa as estrelas a serviço dos
homens e em conformidade com
sua
felicidade
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NIETZSCHE
e sofrimento, assim
também um ta
l pesquisador
41
observa o
mun
do inteiro corno conectado ao ho-
mem,
como o ressoar
infinitamente
f
ragmentado
de
um
som
primordial
, do
homem
, como a cópia
reduplicada de uma
imagem
primordial, do ho-
mem.
Eis
seu
procedimento:
ter
o
homem por
medida
de todas as coisas, algo que ele
faz
porém,
partindo do erro
de
acreditar
que ter
ia tais coisas
como objetos puros
diante de
si. Ele se esquece,
pois, das metáforas
intuit
ivas originais
tais
como
são, metáforas, e as
toma
pelas próprias coisas.
Somente
pelo esquecimento desse mundo me ·
tafórico primitivo, apenas pelo enrijecimento e
petrificação de
uma
massa imagética
que
, qu
al
um
líquido fervente, desaguava originalmente
em tonentes a
partir
da capacidade primitiva
da fantasia
humana, tã
o-
somente pe
la crença
imbatível de
qu
e este sol, esta janel
a
esta mesa são
uma
verdade
em
si,
em
suma
, apenas por
que
o
ho
mem
se esquece
enquanto
sujeito e, com efeito,
enquanto
sujeito artisticamente criador ele vive
com certa
tranqüi
lidade, com al
guma
segurança
e conseqüência; se pudesse sair apenas por
um
instante das redomas aprisionadoras dessa crença,
então sua
aut
oconsciência desapareceria
de ime
diato. Exige-
lhe
esforço, inclusive,
admitir
para
si mesmo
o fato de
que
o inseto ou o pássaro
per
cebem um
mundo totalmente
diferente daquele
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SOBRE VERDADE E MENTIRA
42
percebido pelo
homem
sendo que
a
pergunta
por qu
al
das duas percepções de m u
ndo é
a
mais
correta não possui
qualquer
sentido
haja
vista
que
para respondê
-la a questão
teria
de
se
r previa
mente
medida
com o critério
atinente
à percepção
correta, isto é de acordo com um critério que
ão
está à dispoúçã1 . A mim
me
parece
em
todo
caso
que
a percepção
correta
-
que
significaria a
expressão adequada de um
ob
j
eto
no
sujeito
- é
uma
contraditória
absurd
idade: pois entre duas
esferas
absolutamente
diferentes tais
como
entre
sujeito
e
objeto
não vigora nenhuma
causalidade
nenhurna exatidão
nenhuma
expressão mas
acima
de t
ud
o u
ma
relação estética, digo
uma
transposição sugestiva
uma tradução balbuciante
para
urna lingua totalmente
estranha
Algo que
requer
de qualquer modo
uma
esfera
interme
diária
manifestamente poética e
inven
t iva
bem
como
uma
força
mediadora
A
pa
l
avra aparência
contém muitas
tentações
daí
eu
evitá-
la
sempre
que possível: pois
não
é
verdade
que a essência
das coisas aparece no
mundo
empírico. Um pintor
cujas mãos lhe faltassem e quisesse ainda assim
expressar pelo
canto
a
imagem por
ele visionada
sempre
revelará
nessa troca
de
esferas
muito
mais
sobre
a essência das coisas do que aquilo que
revela o
mundo empírico
. A
própria
relação de
um estímu
lo nervoso
com
a imagem gerada não
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NIETZSC
IIE
é
em si algo necessário; mas quando
justamente
43
a
mesma imagem
foi gerada milhões de vezes
e foi herdada por muitas gerações de homens
até
que por fim aparece junto à
humanidade
inteira
sempre
na
seqüência da mesma ocasião
então
ela
termina por
adq ub·
ir
ao fim e ao cabo o
mesmo significado para o homem como se fosse
a
imagem
exclusiv
am
en
te
necessária e c
omo
se
aquela 1·elação do estímulo nervoso original com
a imagem
gerada
constituísse uma firme relação
causal; assim como
um
sonho que se repete
eterna
-
mente seria
sem
dúvida sentido e julgado como
efetividade. Mas
o enrijecimento e a petrificação
de uma
metáfora
não asseguram coisa alguma à
sua necessidade e justificação exclusiva.
Sem
dúvida todo
homem
qu e possui
familia
ridade com tais considerações já
sent
iu uma pro
fund t desconfiança frente a todo idealismo desse
tipo
lo
go
que
se
c
on
venceu
de maneira
suficiente
mente clara da eterna conseqüência onipresença
c infalibilidade das leis naturais; daí cxLraiu a se
guinte conclusão: desde qt1e
penetremos
em dire
ção às
altu
ras do
mun
do telescópi
co
e
rumo
às pro
fundezas do
mun
do microscópico aqui tudo é se
guro
comp
leto
infinit
o regular e sern lacunas; a
ciência cavará eternamente com
êx
ito nesses po
ços seu do que todo seu achado concordará consigo
m esmo e não irá contradizer-se. Quão pouco isso
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SOBRE VERDADE E MENTIRA
se assemelha a
wn
produto
da
fantasia: pois se
fosse esse o caso
teria
de tornar patente
em
algum
lugar a aparência e a in·ealidade.
Em
contraposi
ç.ão
a isso
cumpre
dizer: se cada um de nós t
iv
esse
para si uma percepção sensível dif
erente
podería
m
os
por nós mesmos perceber ora como pássaro
ora como
verme
ora como
planta
ou
então
se
al
gum
de
nós visse o
mesmo
estímulo como
verme
lho outro como azul e
um
terceiro o escutasse
até
mesmo
sob a forma
de um
som então
ninguém
falaria de
uma ta
l regularidade da natureza mas
de maneira bem
outra
trataria de apreendê-la ape ·
nas como urna criação
altamente
subjetiva. A
ser
assim: o
que
é para nós
uma lei
da natmeza? Ela
não se dá a conhecer
em
si
mesma
mas somente
em seus efeitos isto é em suas relações com outras
leis
natmais
que
urna vez mais só se dão a
co
nhecer como relações.
Por
cons
eguinte
todas essas
relações
referem
-se
sempre
umas às outras sendo
que
quanto
à
sua
essência elas nos são incompre
ensíveis de ponta a ponta; apenas aquilo
que
nós
lhes acrescentamos se
torna
efeti
vamente
conhe
cido
para
nós a saber o tempo o espaço
e
portanto
as relações de sucessão e
os
números. Mas
tudo
o
que
há
de maravilhoso
que
precisamente nos as
sombra
nas leis da natureza
que
exige nosso escla
recirnento e
que
pod
eria
conduzir-nos à desconfi
ança frente ao idealismo assenta-se única e exclu-
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NIETZSC
IIE
sivamente
no
rigor matemático bem como na invi-
5
olabilidade das representações de tempo e espaço.
Estas no entanto são produzidas em nós e a
partir
de nós com aque la necessidade com a qual a
ara
-
nha tece
sua
teia; se somos compelidos a apreender
todas as coisas apenas sob tais formas então não é
mais de se adm ir
ar
que em todas as co isas apre
enrlemos tão-
some
n
te
essas formas: pois todas elas
devem trazer consigo as leis
do núm
ero
sendo que
é exatamente o número o mais assombroso das coi-
sas. Toda regularidade que
tanto
nos impressiona
na trajetória dos
planetas
e no processo químico
coincide
no fundo
com aquelas propriedades
que
nós mesmos introduzimos nas coisas de sorte que
com isso impressionamos a nós rn esmos Disso
se segue por certo que
aque
la formação artística
de metá Foras que em nós dá in ício a toda sensa-
ção já pressupõe tais formas e
pona
nto realiza-se
nelas;
somente
a
par
t
ir
da
firme
persistência des -
sas formas primordiais torna-
se
possível esclarecer
como pôde assim como
outror
a ser
novamente
eri-
gido um edifício de conceitos feito com as próprias
rner á foras.
Tal
edifício
é
pois
uma
imitação das
relações de tempo espaço e números sobre o solo
das rn
etáf
oras.
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SOBRE VERDADE E MENTIRA
Como vimos, a
lingu
gem
trabalha
na
constru
ção dos conceitos desde o principio, e, em periodos
posteriores, a
ciência
Assim como a abelha cons
trói os favos e, ao
mesmo
temp
o, enche-os
de me
l,
assim também opera a ciência
irrefreadamente
so
bre
aquele
enorme
columbário de conceitos, ce
mitér
io das intuições,
sempre
construindo novos e
mais elevados pavimentos, escorando, l
impando
e
renovando os antigos favos, esforçando-se, sobre
tudo, para preencher essa
estrutura
colossalmente
armada em
forma de torre e
ordenar
,
em
seu
in
terior
, o
mun
do empírico inteiro, isto é, o
mundo
antropomórfico. Se o homem de ação
une
sua vida
à
razão e a seus conceitos,
para não ser
arrastado
e
não
se
perder
a
si mesm
o, o pesquisador, de
sua
parte, constrói s
ua
cabana junto
à torre da
ciência,
para que possa prestar-l
he
assistência e encontrar,
ele próprio,
amparo
sob o
baluar
te
à
sua
disposição.
E, com efeito, ele necessita de amparo : pois
há
for
ças terríveis que
lhe
irrompem constant
emente
e
que
opõem às ve
rd
ades científicas verdades de
um
tipo
totalmente diferente com
as mais diversas
espécies de
emb
lemas.
al
imp
ulso
à
formação de metáforas, esse
im
pulso fund
amental
do
homem
, ao
qual
não se pode
renunciar nem por um
instante, já
que
, c
om
isso,
renunciar-se-ia ao próprio homem, não é, em ver-
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NIETZSC
IIE
dade.
subjugado
e
minimamente domado
pelo fato
47
de um
novo
mundo
firme e regular
ter
-
lhe
sido
construido
,
qual
uma fortificação, a
par
t
ir de
seus
produtos vol
at
izados, o
mesmo
é
dizer
, os concei-
tos.
Ele
busca
um
novo âmbito p
ara
sua ação e
um outro regato,
sendo
que o
enco
nt ra no mito e,
em lin has gera s, na arte. Perpcltlameu'Le, m st
ura
as ruhricas e as divisórias dos concei tos
ao
int
ro-
duzir novas transposições,
metáforas
,
metonímias;
perpetuamente, demonstra o ávido desejo de
con
figurar o
mundo
à disposição do
homem
desperto
sob uma
forma
tão coloridamente inegular,
incon
seqüentemente desarmônica , instigante e eterna-
mente
nova
como
a do
mundo
do sonho.
Em
si, o
hom
em desperto
adquire
clara
consciência de que
está
acordado
somente
por
meio
da firme e regul
ar
teia con
ceit
ual , e, precis
ament
e
por
isso, chega às
vezes à crença
de
que está a
sonhar
, caso al
guma
vez
aque
la
teia conceitual seja despedaçada
pela
arte. Pascal
tem
razão
ao
afirmar
que
,
se
fôssemos
acometidos pelo
mesmo sonho
toda
noite
,
iríamos
ocupar-nos
dele tanto
quanto das coisas
que
vemos
todo dia: e
um
artesão tivesse certeza de que a
cada
noite
sonha
, doze horas
sem parar
,
que é
rei,
creio d z Pascal que
seria
tão feliz qu
anto um
re.i que todas as noites sonhasse,
ao longo
de doze
horas
, que
é
um
artesão .
O dia
despert
o de urn
povo
miticamente inspi
rado, como,
por exemp
lo,
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SOBRE VERDADE E MENTIRA
8
I os antigos gregos é
de
fato
mais semelhante ao
sonho
do que o d ia do
pensador
que
se
tornou ci
entificamente
sóbrio devido
ao milagre constan
temente atuante tal
como é
aceito pelo mito. Se
cada árvore é capaz
de
falar
como ninfa
ou então
um deus
sob
a aparência de um touro pode r
aptar
donzelas
se
a própria deusa At
ena é subitamen
te
vista
ao
passar
na
companhia
de
Pisístrato
pe
los
mercados de Atenas com um belo par de caval s
- e nisso acreditava o
ateniense
honesto - então
como no son
ho
tudo é
possível a cada
momento
sendo que
a inteira
natureza
se alvoroça
em
t
orno
do homem corno se fosse somente a mascarada dos
deuses
[ askerade der Gotter ]
que
enganando
os
homens
sob todas as formas pregava-
lhes
apenas
u
ma
peça.
No entanto o próprio
homem tem
urna inClina
ção imbatível a
deixar
-
se enganar
e fica
como
que
encantado
de
fe
li
cidade
quando
o rapsodo
narra
lh
e contos épicos
como se
estes fossem verdadeiros
ou
então
quando
o ator
no espetáculo
r
epresen
ta
o rei
ainda mais
soberanamente do que o
exibe
a
efetividade.
O intelecto esse mestre da dissimu ·
lação acha-se pois
livre
e desobrigado
de
todo
seu serviço
de
escravo sempre que
pode enganar
sem causar
prejuízo
e festeja
então
suas Satu r·
nais;
nunca
ele é
mais opulen
to rico orgulhoso
versátil e arroj
ado
.
Com
sa
ti
sfação criativa bara-
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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NIETZSCIIE
lh as metáforas e desloca as pedras demarcatórias 49
da abstração de
sorte
que por
exemplo
designa o
rio como o
caminho que
se
move e que canega o
homem em direção ao local r umo ao qua l do con-
trário ele
teria
de
caminhar
. Agora ele apartou de
si a ma r
ca
da subserviência: antes
dedicando
-se
com a fin
co
à
mórb
ida ocupação e mosLrar a um
pohre
indivíduo ávido de
ex
istência o cami
nho
e
as
fenamentas
e
qual
um serviçal
empenhad
o
em
roubar c saquear para o seu senl1or e le agora setor-
nou
senhor
e
lhe
é permitido
remo
ver de seu rosto
a expressão de indigência. Ern comparação com
o que
fazia antes
agora tudo
o
que
faz traz
em si
a dissimulação assim como sua conduta anterior
tra7.ia
em si
a
deforma
ção Copia a
vida
humana
mas a toma por
urna
coisa b
oa
e parece estar ple
n
amente
satisfeito coro ela. Aquele eno rm e enta
blame
nlO
c andaime de conceitos sobre o qual o
hom
em
necessi tado
se
pendur
a e
se
salva ao
lon
go
da vida é para o intelecto tornado 1 vre apenas
um
cadafalso c um brinquedo para seus mais audacio-
sos artifícios: e
quando
ele o estraçalha
em
baralha
e ironicamente o
reagrupa emparelhando
o
que
há de
mais
diverso e separando o que há de
mais
próximo ele
então
revela
qu
e não necessita da
qu
e-
les exped
iente
s da indigência e q
ue
agora não é
co
uduzido por conceitos mas por intuições. A
par
-
tir dessas intuições nenhttm
camin
ho regular dá
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SOBRE VERDADE E MENTIRA
50
acesso
à terra
dos esquemas fantasmagóricos das
abstrações: a palavTa não é feita
para
elas sendo
que o
homem
emudece
quando
as vê
ou
então
la por
meio
de metáforas
nitidamente
proibidas
e combinações conceituais
ina
ud itas para ao me
nos corresponder criativamente
me
dian
te
o des
mantelamento
e a ridicularização das
an
t igas limi
tações conceitua
is
à
poderosa intuição atual.
Há
épocas
em que
o
homem
racional e o
homem intuitivo colocam -se lado a lado
um
com medo
da
intuição out ro ridicularizando a
abstração; o último é tão irracional quanto o
primeiro é inartistico. Ambos
contam
i
mperar
sobre a vida: este sabendo encarar as mais básicas
necessidades
mediante
precaução sagacidade e
regularidade aquele como
herói
sobreexaltado
,
passando ao largo
de
tais necessidades e
tomando
por real
somente
a vida dissimulada
em
aparência
e
be
leza.
Ond
e o
homem
intuitivo
tal
como
na
antiga
Grécia
alguma
vez
manipula
suas
armas
mais violentamente e mais vitoriosamente do que
seu
oponente
então
sob circunstâncias favoráveis
pode
tomar
forma
uma
cultm·a e funda1·-se o
dominio da
arte
sobre a \rida; aquela dissimulação
a
quel
e repúdio
à
indigência aquele brilho das
intuições metafóricas e
em
lin
has gerais aquela
imediatez do
engano
seguem todas as manifesta
ções de tal vida . Nem a casa nem a maneira
de
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NIETZSCIIE
andar, nem a ve
stimenta
, nem a jarra de argila 5
evidenciam que foi a necessidade que os inv
entou
;
tudo
se passa como se em todos eles devesse
ser
decla rada uma felicidade sublime c um olímpico
desanuviamento
, b
em
como
UJna
espécie de jogo
com a seriedade. Enq
uanto
o homem conduzido
por conceitos e abstrações apenas rcchaça, por
me
io
destes, a infel icidade, sem
granjea
r
para
si
m esmo
uma
felicidade a partir das
abst
rações, en
quanto ele se esforça ao máximo para liberLar-
se
da dor, o homem intuitivo, situado no interior de
urna cultura, já colhe de suas intuições,
além
da
defesa contra tudo que
é m al,
uma iluminação
contínua e caudalosa, júbilo, red enção.
Por
certo,
sofre com
mais
intensidade,
quando
sofre;
sim
sof
re até com mais assiduidade, porque não sabe
aprende r a pa rtir da experiência, vol
tando
a cair
sempre no
mesmo
buraco em que já havia caído.
Ele
é
assim , tão
irracional
no
sofrimento
quant.o
na felicidade, grita alto e não dispõe de
qualquer
consolo.
Quão
diferentemente ali se coloca, sob o
mesmo
revés, o homem estóico versado
na
ex'Pe
rif\ncia,
que
se
governa
através de conceitos Ele,
que ele
mais
a
mais
só busca probidade, verdade,
liberdade frente aos enganos e proteção
contra
as
incursões
ardilo
sas, executa
agora
na irlfelicidade,
a obra-
páma
da dissimulação, tal como aquele na
felicidade; não carrega um rosto humano, trêmulo
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SOBRE VERDADE E M NTIRA
5
I e movente mas
uma espécie
de máscara com
digna simetria de traços não grita e tampouco
muda
sua voz uma vez sequer. Se
u ma
vultosa
nuvem de chuva deságua sobre ele enrola-se em
seu manto e passo a passo caminha lentamente
para debaixo dela.
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FR GMENTOS
POSTU OS
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NOT M N R
Sobt·e
ve
rdade e me
ntir no
se
núdo
e:ctra-mor l
fo i ditado por Nietzsche ao colega Gersdorff no
verão de 1873 a
partir
de apontamentos
qu
e, em
realidade, remon·tam ao verão de 1872
Trata
-se,
é claro, de fragmentos e anotações preparatórias
ligados a um hor
izon
te hermenêu t ico incomum
e cujo léxico não se coaduna perfeitamente com
o vocabulário técnico convecional. Todavia, con
trariando a
máxima
estruturalista segundo a
qual
notas preparatórias não ass
um
idas pelo
autor
-
onde o pensamento apenas se insinua e se experi
menta - devem ser vistas como léx
eis
sem crença
e
ji:losçfi:camente,
irresponsáveis ,' acreditamos
qu
e tais esboç
os
precisam
ser
levados
em
conside
ração e compreendidos no registro especulativo
a
partir
do qual se lançam e
ganham
relevo. Se
eles não podem adquirir uma ascendência inter
pretativa absoluta sobre os trabalhos publicados
ou preparados para
publicação, possibilitam, ao
menos,
um
discernimento mais claro acerca
da
'
Vi<.:tvt Gvld•dHn
iJt,
Tempo hi>
tÓtÍ<.:o
tempv
lógiw
na
i n t ~ r p tios
s ist..,mas filosúfic os . Em A religião de .Pla·
t í
Sãu
Pao lo,
D<
f.,], 1963, p. 146.
1 55
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NOTA
UMIN R
56 formulação camaleônica de certos problemas sto
é de questões que
surgem num
dado contexto
mas que ressurgem e amadurecem tão-somente
noutras ocasiões variando de forma e conteúdo de
acordo com
os
diferentes patamares reflexivos
em
que se inserem. Daí a oportunidade das páginas
que se seguem. Acompanhando as indicações
histórico-filológicas
da
edição crítica das obras
completas de Nietzsche organizada e estabele
cida por Giorgio Colli e Mazzino Montinari a
ordenação numérica dos fragmentos é seqüen
cial e cronológica mantendo -se a paginação da
mencionada edição.
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http://slidepdf.com/reader/full/nietzsche-friedrich-sobre-verdade-e-mentira-no-sentido-extramoral 58/98
FR GMENTOS POSTUMOS
7
19 [48), ve rão de 1872 - iníc io d e 18:-5; em Fri-
edr
·ic h r\ ietzsch
e
Siimtli
che ff/erke.
Kritis
che
S
tudi
e
nausgabe Giorgio Coll i e i
1
1
azzin
o M
on-
t inari , Be rl im /
o
York, \Va lte r d e
Gru
yte r ,
1
9
99•
·
:-
•P· 4·34·
A sentença deve ser declarad
a:
viv
em
os so
mente através de ilusões,
sen
do que nossa consci
ência ded ilha a superfic ie. Há mLLta coisa que se
esconde
diante
de nosso o lhar.
Também
nunca se
deve
temer
que o h
omem termine
por se conhecer
inteiramente que ele
, a t.odo instante , penet-re
em todas as leis
da
impulsão,
ela
mecânica, bem
como
em
todas as fór mulas da arquitetura e da
química
que
sã
o necessárias
à
sua
vida.
É
bem
possível que tudo se to
rne
conhecido po·r meio de
esquemas. Isso não altera
em qu
ase nada n ossa
vida. Ademais, t rata -se apenas de
fórm
ulas p
ara
forças abso
lu tamente
desconhecidas.
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
58 19 [49], mesmo pe
rio
do, op. cit. p. 455·
Vivemos, com efeito,
numa
ilusão contínua
através da superficialidade de nosso intelecto:
para viver, precisamos da arte a todo instante.
Nosso olho nos prende àsforma s Se no
entant
o,
somos nós mesmos a adquirir, aos poucos, esse
olho, então vemos vigorar em nós próprios
uma
força artística Vemos, pois, na natureza mesma,
mecanismos con
tra
o
saber
absoluto: o f i
l6sqjo
rec
on h
ece a
hngu gem d
n turez
e diz:
pre
ci-
samos da arte e carecemos apenas de urna parte
do saber
.
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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NIETZSCIIE
19 [64 , mesmo período,
op
c it., p 459·
O
ser
sensível precisa da ilusão
para
viver.
A ilusão é necessária para progredir na civiliza
ção
O que quer o insaciável impulso ao conheci
me
nto
?
Em
todo caso, ele é bárbaro.
A filosofia procura domá -lo; const.ituindo, pois,
um
instrumento
civilizatório.
Os filósofos
mais
antigos.
s
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
60 19 (66], mesmo periodo, op. c it., p
440.
Nosso entendimento é uma força pouco pro-
funda, é supe,.ficial. Ou, corno também se l
he
denomina, é "subjetivo" . Ele conhece através de
conceitos:
isso significa
que
nosso pensamento é
um
rubricar,
um
nomear. Algo, portanto,
que
re -
sul
ta
de
um
arbítrio do homem e que não remonta
à
própria coisa. Apenas
mediante
o
cálculo
e tão-
somente nas formas do espaço possui o homem
conhecimento absoluto, quer dizer,
os
ú
ltim
os
limites do que pode ser conhecido são quantida-
des,
sendo
que
ele [o
homem
]
não
compreende
nenhuma qualidade, mas apenas
uma quanti
dade.
Qual pod
erá
então ser a finalidade de tal força
superficial?
Ao conceito corresponde, em prim.eiro lugar,
a imagem;
imagens
são pensamentos
primordi
-
ais, isto é, as superfícies das coisas abreviadas no
espelho do olho.
A
im gem
é
uma
coisa, o modelo matemát1:co é
outra.
Imagens nos olhos humanos Eis o que dom
ina
todo
ser
humano: a
partir
do
olho
Sujeito O
ou
-
vido escuta o so
m
Uma concepção maravilhosa e
inteiramente diferente do mesmo m undo.
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NIETZSCHE
A
arte
baseia-se n
inexatidão do olhar
E t m-
6
bém n inexatidão do ouvido p r o rit:rno o tem
per mento
etc.; nisso se fia uma vez mais a
arte
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
62
9
8
]
, m smo período op.
c
.
p 447·
O
sonh
r corno o prolong mento seletivo das
im gens ópticas.
No
âmbito
do
in
telecto
tudo
o
que
é qu lit
tiv
o
não passa de
um
quantitativo
s
qu lid des somos
conduzidos pelo conceito pela palavra.
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NIETZSCIIE
19 97 ,
me
smo período, op. c it., p 45
1
O homem reinvindica a verdade c a dcspcnde
na relação moral
com
outros homens,
sen
do
qu
e
nisso
se baseia toda vida gregária.
s
conse
qü
ên-
cias t·uins das mútuas m entiras silo por ele
antec
i
padas. A par
tir da
í
surge
, en tão, a
obrigação da
verdade
Ao narrador épico é
permitid
a a
mentira
pois, aqui , não se antevê nenhum ef
eito
nocivo. As
sim
, lá
onde
a mentira parece
agra
dável , ela é per
mitida: a beleza e a agradabilidade da
mentira,
desde que não
cause
danos. Eis como o
sacerdote
forja os ruitos de seus deuses: ela [a mentira] jus
tifi
ca sua
sublim
id
ade. É
in
cr ivel
mente
difícil fa
zer com
qu
e o sentimento mitico da livre rnentu·a
volte a viver. Os grandes fi lósofos g regos ai nda vi
vem nesse consentimen to à
mcnth·a.
Lá
onde não
se
pode
conh
ecer
nada
de ve
rda
deiro, a mentira é
permitida.
À noite, ao sonhar, todo homem deixa-se enga-
nar continuamente.
A
aspiração
à
verd
e
é uma aquisição infinita
mente tardia da humanidad
e
osso sentimento
histórico é algo totalmente novo no mundo. Seria
posslvel que ele reprimisse por completo a
ar
te.
A afi rmação da verdade a todo custo é socrática.
63
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
64 19 w6], mesmo período
op
. c it. p. 454·
Lutar por
urna
verd de
é
algo tota lmente
s
-
tinto de lu
tar pel
verdade.
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NIETZSCIIE
19 121) , m
esmo
período, op. ci , p. 4·58.
Não con
he
c
emos
a ve
rd
adeira cssêucia de um
causa
lid d
e única
Cet
ici
sm
o absoluto: necessidade de a
rt
e e
ilu
-
são.
6
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
I 19
[L
mesmo periodo op. cit. p 464.
Todo
conh
ecimento surge por meio de sepa-
ração, delimitação e abreviação; não há conheci-
mento absoluto de um totalidade
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NIETZSCIIE
9 15
: ]
,
m
es
mo
perío o
op. c it. p 4.68.
O imenso consenso dos homens acerca das coi-
sas comprova a uniformid de de seu p r to per-
ceptivo.
7
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
8
I
19 158] mesmo p
eríodo
op. c it., p . 468.
Para o vegetal o mundo é tal e tal - e
para
nós tal e tal. Se compararmos as duas forças per
ceptivas a nossa concepção de mundo nos parecerá
mais correta isto é mais condizente
com
a ver
dade. O
homem
desenvolveu-se a passos len tos e
o conhecimento ainda se desenvolve: a imagem
do universo torna-se pois cada vez mais veraz e
completa.
Evidentemente
trata-se apenas de
uma
im gem
refleâda e cada vez mais nítida. O próprio
espelho porém não é de todo estranho e contrá
rio
à
essência das coisas senão
que também
veio
à
tona vagarosamente corno essência das coisas.
Ve
mos um esforço
para
tornar o espelho mais e mais
adequado: a ciência leva
adiante
o processo natu
ral. Assim é que as coisas se refletem de modo
cada
vez
mais transparente: libertação
gradual
do
que
é demasiado antropomórfico. Para o vegetal
o
mund
o inteiro
é vegetal sendo que para nós é
humano
.
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NIETZSC
IIE
19 (16o], mesmo período, op ci
t.,
p. 4.69.
Considero um equívoco falar de uma meta in
consciente da humanidade. Ela não constitui
um
todo tal como um formigueiro. Pode-se talvez fa
lat· sobre uma meta inconsciente de uma cidade,
de
um
povo:
mas
o
que
significa falar a respeito
da
meta
inconsciente de
to osformíguriros da
terra
69
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
70
I
9 165] , m smo período
op
. c it. p. 471.
Con hecernos apenas
urna
realidade - a dos
pen-
samentos
E se isso fosse a essência das coisas
Se memória e sensação fossem o m t
e
ri l das
I
CO
I
Sas
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NIETZSC
II
19 166], m
esmo
período, op. ci t., p. 4:-1.
O pensamento fornece-nos o conceito de uma
forma inteiramente nova
de realidade
ele é com
posto de sensação e memória.
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
7 19 175] , mesmo p
eríodo
, op. cit. p. 475·
O
que
a verdade faz com os homens
Quando se acredita possuir a verdade, a vida
mais elevada e pu.ra parece possível.
A crenç n
verdade
é necessária ao homem.
A verdade vem
à
luz como necessidade social:
por meio de
uma
metástase, ela
é
posteriormente
aplicada a
tu
do
aqui
lo que dela independe.
Todas as virtudes surgem a partir de carências.
Com a sociedade, nasce a necessidade de veraci-
dade. Do contrário, o homem viveria em eterno
ofuscamento. A
funda
ção do estado incita a veraci-
dade.
O impulso ao conhecimento
tem
uma origem
mor l.
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NIETZSC
II
E
19 179] , m es
mo
período, op.
c i t.,
p. 474·
A nawreza acomodou o hom em em
ag
rantes
ilusões. Eis
seu
elemento
próprio
.
Ele
vê
formas
e, em vez
de verdades
, sente estimulos. Son ha e
imag ina para si homens
divino
s
como
sen
do
a na
tu
reza.
O homem. tornou-se aciden.t.almentP um s r qu
nhPre
por
meio da união não
inLeneional
de
du
plas qualidades. Algum
dia
, ele
desaparecerá
e
nada terá
acontecido
D
urante muito
tempo eles
os
homens]
não
existiram e,
quando
eles
próprio
s tiverem dei-xado
de
ex is ti
r, não terão
ap
licado se coisa alguma.
Eles não têm nenhu
ma
missão
ou
finalidade a
Cl mprir.
O homem é um animal extrcmamcutc
patético
c r.oroa
LOdas
suas propri
e
dades
por
algo de
suma
relevância
,
com
o
se
os e ixos
do
universo
girassem
n k
O semelhante lembra
do seme
lhante e ,
com
is
so, passa a se
comparar:
eis o
conhecer,
o
apres
sa
do
sub
sumir
daquilo que
é similar.
Ap
enas
o se
rne lha
ut
e
percebe
o semelhante: urn processo fisio
lóg ico. A
quilo que
é
memória
é
também percepçã
o
do
novo.
Nã
o
pensamento sobre
pen
samento
.
n
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
74 19 18
1]
,
mesmo
pe
rio o
, op. cit., p. 476.
O
va
lor objetivo do conhecimento - ele não
torna
m
l
hor
Não possui fins universais últimos.
Seu surgimento é acidental. Valor da veracidade.
Ela sim torna melhor Seu fim
é o declínio. Ela
sacrifica. Nossa
r
te
é
cópia do conhecimento
desesperado.
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NIETZSC
II
E
19 182], m
esmo
período, op. ci t., p. 4 ; 6.
A humanidade possui , no
conhecimento
um
belo meio para o declínio.
75
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
76 19 185] ,
mesmo
período,
op
. c it., p 476.
Que o
homem tenha se
tornado isso que ele é,
e não outra coisa, eis
algo
que
se
deve a ele rnesrno:
que tenha submergido na ilusão sonho) e setor-
nado
dependente
da superfície olho) , eis o que
constitui
sua
ess€ncia
Seria
então
de
admirar
se
o impu lso à
verdade
resultasse, no fim das contas,
de
sua essência fundamental?
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NIETZSCIIE
19
204],
m
esmo
período
op
.
ci
p. 481.
s absu·ações são metonímias
isto é permuta-
ções de causa e efeito. Mas todo conceito é uma
metordmia, sendo
que nos conceitos o con
he
cer
Lermina por se antecipar. ' 'verdfldc converte-se
nu m
p
er
assim
que
a
liberamos
corno
a
bst
ração.
n
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
8
I
19 218] , m
es
mo per
íodo
, op. c it., p . 488.
O p thos da verdade num mundo da mentira.
O
mun
do da
mentira
reenco
ntrad
o nos mais
elevados cumes da filosofia.
O objetivo dessas elevadas mentiras é o amansa -
ment
o do indelineável impulso ao conhecimento.
urgimento do i
mp
ulso ao conhecimento a par-
tir da mora l
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NIETZSC
II
E
19 22o] mesmo per íodo op. ci
t
p. 488.
Todo
ínfimo
conhecimento tem
em
s i uma
e
norm
e satisfação: não
enquanto
verdade mas
como crença de
te
r descoberto a
ve rd
ad
e Qu
e
ti
po
de sat isfação é essa?
79
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
80 19 [
zz8
] ,
me
s
mo
per íodo,
op.
c
it
., p. 490.
O
imit r
é, a propósito, o oposto do
conhecer
já
qu
e este justamente não
preten
de fazer valer
ne
nhuma transposição, mas reter a impressão sem
metáfora
e
sem
conseqüências. Para tanto, ela [a
impressão]
é
petTificada: por
meio
de conceitos, a
impressão é capturada e isolada, e, depois de
morta
e esfolada, é mumificada e conservada enq
uan
to
conceito
Não
há
, porém, qu
ai
squer expressões
pró
prias , assim corno, sem metáfora não
há
nenhum
conhecer
propri ment
e dito.
Mas nisso consiste
o engano, quer dizer, a
crença
numa verd d
e da
impressão sensível. As metáforas mais habit uais,
usuais,
ag
ora servem como verdades e medida
p
ara
as metáforas
mais
r
ara
s Em si, vigora aqui a
diferença
entre
o
fam
i
liar
e o novo, o
freqüe
nte e
o excepcional.
O
conhecer
é tão-somente um
operar
com as
metáforas prediletas, e, a ser assim, nada mais que
uma imitação do imita1· sen
sí
vel. Ele não pode, evi
d
en
t
emente
,
pene
t
rar
no
âm
bito
da verda
de.
O
patlzos
do
impu
lso
à
verdade pressupõe a ob
servação de que os diferentes universos metafóri
cos são discrepantes e permanecem em luta, como,
por
exemplo
, o
sonho
, a
menti
ra etc. e a versão
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NIETZSCHE
usual e comum: eis por que um é a mais r r e 81
a outra a mais freqüente. O hábito lu
t
pois con-
tra a exceção o
regul r
c
ontr
a o ÍLlabitual. Daí. a
cautela da efetiv
id d
e diurn di nte do mundo dos
sonhos.
O raro e
in
bitu l é porém o mais pleno de estí-
uo a
ment
ir é sentida como estímulo. Poesia.
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
8 19 (229] , mesmo per
íodo
, op. c
it
., p. 491.
Na
sociedade política,
um rígido
acordo faz -se
necessário, já
que
ela
se fun
da no uso
comum
de metáforas. Tudo o que foge ao costumeiro
desestabiliza-a, aniquila -a inclusive. Utilizar cada
palavra
tal
como
a
massa
a utiliza
é,
pois, o
mesmo
que
moral
e conveniência política. Ser verd d.
áro
significa apenas não
se
desviar do
sentido
usual
das coisas. O
verdadeiro
é o
existente
em contra
posição ao não-efetivo. A primeira convenção é
aquela concernente àquilo
que deve valer corno
existente
.
Mas,
transposto à
natureza. o impulso
que
constrange a
ser
verdadeiro produz a crença de
que também a natureza cir
cun
dante deve
ser
verdadeira. O
impu
lso ao conhecimento baseia-
se
nessa t ransposição.
Por verdadeiro compreende -se, antes de
mais nada , apenas aquilo que usualmente consiste
na metáfora hab
itual
- portanto, somente
uma
ilusão que
se
tornou
familiar
por
meio
do uso
freq üente e que
já não
é
mais
senti
da como ilusão:
metáfora
esquecida,
ist
o
é,
uma metáfora da
qu
al
se
esqueceu que é uma metáfora.
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NIETZSCIIE
19 (250], m
esmo
per íodo, op. ci t , p. 492.
O impulso à verdade começa com a forte obser
vação
de
quão antipódicos são o
rnundo
efetivo e o
mundo
da
mentira
,
bem
como
de que
quão incerta
se torna a vida humana , se a verdade convencio
nalm
ente
estabelecida
não
valer e
mo
do Üicondi
cional:
há que
se ter
uma
convicção
moral
acerca
da necessidade de uma i r
me
convenção, caso uma
sociedade humana deva existir. e
em
algum lu
gar o estado de guerr deve cessar, então isso tem
que se dar com a fixação da verdade, isto é, com
uma
designação válida e impositiva das coisas.
O mentiroso emprega as palavras
para
fazer
corn
que
o
irrea
l
venha à
luz c
omo
algo efetivo,
quer di7.er, ele abusa do
firme
fundamento.
Por outro
lado
, o
impulso
em direção a
metáforas
sempre
novas
perman
ece presente,
descarregando-se no poeta, no ator etc., e,
em
especial,
na
religião.
O filósofo também busca, no
âmbito em
que
vigoravam as religiões, o efetivo
,
o permanente
isto é, no
sentimento
do eterno e mitico jogo da
mentira.
Ele qu er u
ma
verdade
qu
e
perm neça.
Estende, pois, a necessidade
de
firm es convenções
verdadeiras sobre novos âmbitos.
83
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
84 19
54
] , mesmo período, op. c it., p. 495·
Gostaria de tratar da questão acerca do valor do
conhecimento
tal
corno urn anjo fr
io
que penetra
na inteira escu.malha.
Sem
ser maldoso, mas sem
coraçlio.
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
http://slidepdf.com/reader/full/nietzsche-friedrich-sobre-verdade-e-mentira-no-sentido-extramoral 86/98
NIETZSCIIE
19 255], mesmo per íodo, op. ci t , p. 495·
Todas as leis naturais são tão -somente relações
de um com Y e z. Definimos as leis naturais como
relações entre x, Y e Z: eis por que tudo se
nos
torna
ov mente conhecido apenas corno 1·e ações entre
outros x,
Y
e z.
85
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
8
I
19 (
256
] ,
mesm
o per íod o, op. c it., p. 495·
Em rigor, o conhecer possui apenas a for
ma
da tau
tologia e é
v zio
Todo conhecim
ent
o por
nós promovido consiste nu.ma ide ntificação do não·
igu l
do semelhante, quer dizer, t
ra
ta se de algo
essencialmente ilógico.
Somente por esse trilho adquirimos um con
ceito, sendo que, depois,
ag
imos como se o conceito
homem
fosse algo real, quando, no entanto, ele
é por nós formado
median
te a abstração de todos
os traços individuais. Pressupomos que a natmeza
procede de acordo com
tal
conceito: mas,
aq
ui, a
natw·eza,
bem
corno o conceito, é antropomórfica.
A lt d e consideração pelo individual fornece-nos
o conceito e,
com
isso,
tem
início o nosso conhe
ciment
o
no rubr·icar nas tabulações de gêneros.
A essência das coisas não corresponde,
porém
, a
isso: é um processo de conhecimento
que não
se
coaduna com a essência das coisas. Muitos traços
particu
lar
es podem definir uma coisa, mas não to
das: a igualação desses traços nos dá o ensejo pua
agrupar muitas coisas sob um só conceito.
Enq
u
anto
portadores de propried des
produzi
mos essências e abstrações como causas
de
tais pro
priedades.
Que u.ma unidade - como, por exemplo,
uma
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
http://slidepdf.com/reader/full/nietzsche-friedrich-sobre-verdade-e-mentira-no-sentido-extramoral 88/98
NIETZSC
II
E
árvore se nos apresen te como uma multiplicidade
8
de propriedades. de relações - , eis algo
antro
pomórfico num
duplo sentido: antes de mais
nada, essa unidade delimitada , árvore , não
existe,
trata
-se de algo
qu
e foi a rbitnu·iamente
seccionado (de acordo c
om
o olho, com a
form
a);
c, adema is ,
nenhuma
relação constitui a relação
verdadeira e absol
uta,
senão
q
ne
é
novamente,
co
lorida antropomorfi
came
nte.
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
88 19 2
4 ]
, m esmo pe
ríodo
,
op
. c it., p. 495·
O mundo é aparência -
mas não so os
única e
exclu
sivam
ente a causa de
seu
aparecer. Ele
tam
bém é
inea
l a
partir
de
u m
outro lado.
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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NIETZSCHE
19 (242] ,
mesm
o per íodo,
op
. c it., p. 495·
A essência
da
definição: o lápis é
um
corpo
alongado etc.
A
é
B.
Aqui, aquilo que é alongado
é, ao mesmo tempo, colorido. As propriedades
contêm apenas relações.
Um
corpo
determinado
equ
ivale a tais e tais re
lações. Estas jamais podem ser a essência, mas ape
nas conseqüências da essência. O juízo sintéti
co
descreve
uma co
isa de acordo com suas conseqüên
cias, isto é,
essêná
e
conseqü.ênâa.s
são
id.entiji:ca-
das
q
uer
dizer, uma
metonímia.
Assim,
na
essência do juízo sintético acha-se
uma
metonímia; ou seja,
trata
-se
de uma
identifi-
cação enganosa.
N
out
ros termos, s inferências sintéticas são iló-
gt:cas Quando
as empregamos, pressupomos a m e
tafísica
popular que
toma
efeitos
por
causas.
O conceito láp is é trocado pela coisa lápis.
O
é
con tido no juízo sintético é falso, encerra
uma u-ansposição por meio da qual duas esferas
distintas são colocadas lado a lado, sendo que entre
ambas jamais pode dar-se uma igualação.
Vivemos e pensamos sob indisfarçáveis efeitos
do
ilógzco
na ignorância e no falso saber.
1
s
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
90
19 244] , mesmo pe
ríodo
, op. c it., p. 496.
e onde vem, no intei
ro
universo, o
p thos
d
ver
dad e?
Ele não aspira à verdade, mas à crença, à confi-
ança
em algo
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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NIETZSCHE
19 249],
mesm
o per íod o, op. c it., p. 498.
1Vletájora significa tr
t r
como igu l algo
que, num dado ponto, foi reconhecido corno
sem
elh nt
e
1
1
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
92
9 [254] m
esmo
período op. c it. p. 499·
O filósofo busca
a
verd de?
Não pois nesse caso esperar-se-ia dele mais
segur nç .
A
verd de
é fria a crença
n
verd de
é pode
rosa.
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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NIETZSCIIE
19
25
] m
esmo
per íodo
op
. c it. p.
50
0.
A verdade é indiferente ao homem: isso revela
a tautologia co
mo
sendo a única forma acessivel da
verdad
e
Pois buscar a verdade também signifi
ca
rubri-
ca r com
exatidão
is
to
é
su
hordin
ar
corretamente
os
casos individuais a um conceito existente. Aqui
porém, o conceito é um feito que nos pertence
tal
como as épocas passadas.
Subsumir
o
mundo
in-
teiro em conceitos precisos signifi
ca
tão
somente
enfileirar
as coisas particulares sob as formas de re-
lação mais gerais e primordialmente humanas: a
ser ass
im
os conceitos só test m aquilo que
intro
-
du zimos neles e que mais ta
rd
e procununos nova-
mente sob eles- o que no fundo também é uma
tau Lologia.
o3
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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FRAGMENTOS PÓSTUMOS
94
29 14],
verã outono de 1875,
op
. cit., p. 651.
Não
há um imp
ulso
o
conhecimento e à ver
d de, m s tão-somente
um
impulso à crença na
verdade. O conhecimento puro é desprovido
de im
pu
l
so
7/21/2019 NIETZSCHE, Friedrich - Sobre Verdade e Mentira No Sentido Extramoral
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